Conselho de Pai – Parte 2

Recebi um e-mail de um rapaz que eu ensinei e treinei, e que depois conseguiu trabalho em uma locadora pequena. Ele lá cresceu, fez o seu nome, e outra locadora (grande) o convidou para trabalhar, e ele aceitou.

O e-mail dele:

“Fernando!

Gostaria de pedir sua permissão pra ir na sua casa, para a gente bater um papo.

Pois já estou integrado em EMPRESA NOVA certo? Então, quero sentar pra conversar + uma vez com o CHEFE e preciso de sua ajuda pra que eu não me prejudique e também não seja visto como o sabe tudo rsrsr. No último evento o CHEFE não estava,

Estavam presente:
AAAA
BBBB
CCCC…….novato
DDDD,,,,Eu

O AAAA é bem tranquilo de se trabalhar, ele pergunta bastante como é o jeito que vc trabalha e quer implementar na equipe, isso é bom.

O CCCC é novato, então conversei também com ele e andei um pouco no PA pra falar de equalização.

O BBBB é muito grosso, ele chega na mesa e não sai nem pra beber água, ele se torna o dono da mesa, não aceita palpite de equalização. É um cara inteligente, tem curso na IATEC e tudo, mas é muito orgulhoso.

Por favor me ajude em relação a isso, pois pretendo usar um pouco da minha experiência que ganhei na EMPRESA VELHA.

Forte abraço Fernando.

DDDD”

A minha resposta:

Olá DDDD, melhor nem esperar para conversar.

Quero que você entenda: você está em uma empresa nova, que ainda que lhe ofereça o mesmo salário, lhe oferece benefícios indiretos muito importantes. É praticamente ao lado da sua casa, contra as horas que você perdia no trânsito até à empresa velha. Também tem a possibilidade de ganhar experiência em mesa digital (que na empresa velha não tinha), os eventos maiores que vocês irão fazer…. Mas obviamente não é o mesmo patrão, logo as coisas não são as mesmas.

Cada empresa tem um “estilo”, uma forma de trabalho. Isso é absolutamente normal. Todas querem o mesmo resultado (lucro), mas a forma de conseguir isto é diferente.

Você reclama dos seus novos colegas de trabalho. Ora, em qualquer empresa você encontra o sujeito que acha que sabe muito (e às vezes sabe mesmo!), que acha que é o dono da verdade e até o dono do equipamento, etc.

Você acredita que o novo chefe não aceita mudanças, não quer melhorar nada. (nota: isso foi em conversa anterior)

Você acredita que, pela sua própria já grande experiência, tem muita coisa que precisa mudar lá.

Pois saiba que você está errado, companheiro, errado.

Primeiro, esqueça a tentativa de mudar alguma coisa no começo. O ser humano tem uma terrível incapacidade de gostar de mudanças. Acha que se tudo funcionou bem até aqui, então que é melhor continuar tudo do mesmo jeito. Mudanças geralmente só são aceitas após momentos de crise. Faturamento caiu 30% por causa do concorrente que está fazendo o mesmo trabalho que o nosso, mas cobrando menos? Então AGORA vamos mudar, vamos ter que mudar. Fora esse momento, toda e qualquer mudança é rejeitada naturalmente.

O sujeito que “acha que sabe” muito provavelmente lutou para estar ali. Só ele que sabe quanto tempo ele se esforçou para conseguir essa posição privilegiada na empresa. Ele também foi novato um dia, e ralou muito para dominar o principal, para conseguir essa posição de “dono da mesa”. Pode ter certeza que ele não vai abrir mão disso facilmente, ainda mais para um rapaz que veio de uma empresa pequena que não tinha digitais.

Quanto ao chefe… chefe é chefe. Manda quem pode, obedece quem tem juízo, ainda que o chefe esteja errado. Não mude nada. Não discuta. Obedeça. Ele que te contratou e pode também te demitir. Simples assim.

Você então está pensando…

“Então ele me contratou para quê? Não foi pela minha experiência na área? Não foi porque eu já sei fazer as coisas, e fazer bem feito?”

Sim, é uma hipótese. Se isto for verdade, ele então em algum momento chegará para você e lhe perguntará se você tem sugestões, se você que algo que pode melhorar, provavelmente lhe coloca em cargo de chefia e aumenta o seu salário antigo. Outra hipótese é que ele precisava de alguém já com alguma experiência, porque não precisa perder tempo com treinamento. Nesse caso ele te contrata pagando o mesmo que o anterior, mas lhe promete “crescimento profissional com o tempo”. Algum tempo depois, você percebe que no fundo o chefe quer mesmo que você obedeça, e pronto.

Pense comigo agora: qual das duas hipóteses parece a mais provável?

Você novamente está pensando…

“Vou desistir, vou pedir as contas. Não vou ficar lá. Vou voltar para o emprego antigo”

Não faça isso!

Primeiro, lembre-se que você, antes de mudar, analisou muitas coisas. Os benefícios (mais perto de casa), a oportunidade de crescimento dentro da empresa (aprender mesa digital, crescimento profissional). São sim coisas importantes, que você não pode deixar passar. Você já estava no “topo” na empresa anterior, e a não ser que você vire sócio ou dono, não vejo perspectivas lá. Pense comigo: na nova empresa, pelo porte muito maior, você com certeza terá muitas coisas novas a aprender, e sim, haverá chances de crescimento. Mas quando o chefe falou “com o tempo”, isso pode muito em querer dizer “com os anos”.

Segundo, você pode ter toda experiência do mundo mas não passa de um “novato” perante o pessoal que já trabalha lá há anos. E como novato eles esperam não que você ofereça mudanças, mas que se adapte à forma de trabalhar deles. Isso é normal em qualquer empresa! A não ser, claro, que te contratem logo como chefe! Não foi o caso.

Você provavelmente está sofrendo com a “falta de espaço” e a falta de “liberdade de agir” que tinha na empresa anterior. Ora, companheiro, espaço não se ganha de mão beijada, espaço se conquista! Essa conquista não é fácil, mas é o jeito que você terá provar ao grupo o seu valor.

Faça:

  • Seja o primeiro a chegar, e o último a ir embora. Mostre a todos que você está interessado.
  • Não recuse trabalho. Sabe aqueles eventos feitos em horário que ninguém quer? Ou os eventos pequenos, onde você e mais um dão conta? Agarre-os como a sua grande oportunidade! Nesses, faça o melhor possível, faça um trabalho tão bom que o contratante te elogie para o seu chefe! Faça “seu nome”! E sim, nesses dias é possível imprimir a sua marca, fazer as coisas do seu jeito. Quem sabe o chefe não aparece lá (para conferir e vigiar) e vê as coisas diferentes, mas funcionando muito bem?
  • Domine o equipamento. Tem mesa digital e você não sabe operar, correto? Mas você pode muito bem ler o manual, e também baixar o software dela no seu computador de casa. Pode muito bem estudá-la toda, até saber mais (em teoria) que o atual “dono da mesa”. E um dia, um dia qualquer, quando o rapaz não estiver lá por qualquer motivo (doença, férias, sei lá), o chefe olhará para um lado, para o outro, procurará alguém para operá-la e… dará a chance para você. Faça isso não só com a mesa digital, mas com todo equipamento que tiver aí.
  • Nem todo mundo será seu amigo logo de primeira. Muitos lhe verão como “concorrente”, alguém que está ali para roubar o lugar. Por isto, é sempre bom soltar certos tipo de frases que mostram o seu “espírito de equipe”. Quando alguém lhe pedir ajuda, fale um “Temos que nos ajudar mesmo” ou então um “Estamos aqui para somar, não é?”. De vez em quando, um “como é bom trabalhar nessa equipe”, ou um “um ajudando o outro”. Claro que você não pode fazer isto de maneira forçada, mas se aplicar bem essas palavras, na hora certa, isso dará uma impressão aos outros de que você está ali realmente para fazer a empresa crescer.
  • Use os novatos como seus aliados. Provavelmente eles estão mais perdidos que cego em tiroteio, e os mais antigos não tem tempo nem paciência para treiná-los. Então, pegue-os, ensine-os, treine-os, invista seu tempo neles. Mostre que há várias formas de se fazer uma coisa, a forma que o chefe gosta (sim, fale assim mesmo, para depois ninguém dizer que você está indo contra o chefe) mas também essa forma e aquela. Mostre que cada forma tem vantagens e desvantagens, e deixe-os tirar suas próprias conclusões.
  • Nos seus dias de folga, que tal se oferecer para trabalhar? Estranho, não? Mas é sim verdade! Sabe aquele evento grande que terá na sua folga? Diga ao chefe que você quer ir, que não precisa pagar hora extra, mas que quer ficar junto a mesa de som, “para ver se aprendo alguma coisa”. O seu chefe provavelmente gostará e sim, lhe deixará fazer isto. Por outro lado, o BBBB, o “dono da mesa” odiará. Para evitar isso, leve para ele água, refrigerante, comida, cafezinho, bombom, qualquer coisa que ele goste. Fisgue-o pelo estômago! Você aprende e ele come!

Por último, encare isto como um desafio. Dê tempo ao tempo. Estabeleça um período de 01 ano, no mínimo, para conseguir seus objetivos (ser respeitado como um igual) dentro da nova empresa. Se após isto não conseguir… aí a gente conversa de novo.

Um abraço,

Fernando

1 Comment on "Conselho de Pai – Parte 2"

  1. Se tivesse lido esse texto a dois anos não teria saído da banda que estava bem colocado ($$$ e equipamento). Perdi dinheiro (muito dinheiro), com mudança pra outro estado e depois de volta… Aprendi o que está ali da pior forma, e isso me fez ficar 1 ano e meio já na banda que estou hoje.

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