Acústica de auditórios

Navegando por aí, encontrei um artigo excepcional sobre projeto acústico de auditórios. O texto não fala especificadamente sobre igrejas, mas o conhecimento passado é muito importante para todos nós, que em geral vivemos nos digladiando com a acústica de nossas igrejas. O autor é Consultor em Acústica. Participou de importantes projetos, como os da Sala São Paulo, Theatro São Pedro, Teatro de Araras, Teatro Alfa-Real, Credicard Hall.

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Ao invés de preparar um artigo propriamente dito, decidi dividir algumas das minhas dúvidas e reflexões sobre a acústica de auditórios com o leitor da Revista dos Eventos. São questões que se referem à relação entre arquitetura e acústica, assunto raramente mencionado mesmo nas revistas de arquitetura.  

Um renomado arquiteto e querido amigo me perguntou: "O que há de mais avançado atualmente na acústica de salas?". Frente ao velho mestre, ensaiei como resposta descrições de circuitos eletrônicos ou modelos computacionais, mas respondi com a sinceridade que ele merece: "Entender que arquitetura e acústica formam um único corpo". Cada vez mais nos convencemos de que a qualidade acústica de um espaço não é função apenas dos seus acabamentos, mas principalmente da geometria e volumetria. Tudo o que é incorporado (ou deixa de ser) no auditório determina sua qualidade acústica.

 

Espantosamente, a colaboração entre arquitetura e acústica nas fases iniciais de projetos de auditórios e teatros parece ser ainda um tabu no Brasil. E digo espantosamente porque a arquitetura brasileira nada deve à dos países desenvolvidos, onde é normal que o projeto arquitetônico seja antecedido pelas diretrizes básicas de acústica e planejamento teatral. Nem por isso o arquiteto deixa de ser o autor do projeto! Ninguém duvida de que o Berlin Philharmonie tenha sido projetado por Hans Scharoun, embora o acústico Lothar Cremer tenha colaborado e interferido desde o início; ninguém tira de Carlos Villanueva e seus colaboradores a autoria da Aula Magna de Caracas, embora os coloridos móbiles de Alexander Calder instalados no teto para resolver uma questão acústica sejam marca inesquecível da sala!

 

Na mão contrária a esse procedimento, a consultoria em acústica no Brasil é freqüentemente chamada na fase de anteprojeto ou detalhamento, quando os aspectos fundamentais que governam a resposta acústica do espaço já estão definidos. E aí ficamos todos reclamando de que as salas por aqui não têm a mesma acústica que as do exterior, ou tentando acreditar que os consultores "internacionais" podem fazer milagres acústicos dos quais os profissionais locais são incapazes.

 

Arquitetura e acústica formam um único corpo; é a arquitetura que determina a acústica do espaço.Talvez esta seja a lição mais importante que arquitetos e acústicos aprenderam em todo o mundo. O projeto acústico de auditórios, teatros ou salas de concerto não é cosmética da arquitetura. É importante sepultar definitivamente a idéia redutora e medíocre de que um "tratamento acústico adequado" possa resolver problemas contidos no desenho arquitetônico. Os clientes dependem de nossa ajuda para entender que a colaboração profissional entre arquitetura e acústica se faz desde o início do projeto.

 

Poderia dar vários exemplos dessa colabo-ração no exte-rior e alguns poucos no Brasil. Mas a melhor prova recente são as diretrizes de projeto da nova Ópera de Oslo, na Noruega. Todos os requisitos acústicos (geometria preferencial, volume, número de balcões, formas a serem evitadas) estão muito bem estabelecidos no programa de projeto antes que a arquitetura tenha sido desenvolvida ou sequer contratada.

 

Ao longo do século XX, os acústicos passaram a entender como a forma de uma sala influencia sua qualidade acústica. Por tentativa e erro, estabeleceu-se, por exemplo, que a forma de uma caixa de sapato é a melhor para salas de concerto devido aos benefícios das reflexões laterais. São salas longas, altas e estreitas como o Boston Shymphony Hall, o Royal Festival Hall ou a Sala São Paulo.

 

A influência dos anfiteatros e primeiros cinemas pode ser vista nos auditórios em forma de leque. Essa geometria normalmente apresenta problemas para espetáculos de música devido à falta de reflexões acústicas laterais, mas pode ser utilizada com sucesso em auditórios de convenções, palestras e debates, e até mesmo em teatros. Exemplos de salas em forma de leque são o Barbican Hall em Londres ou o Teatro Cultura Artística em São Paulo.

 

Se um auditório com capacidade para 125 pessoas destina-se preferencialmente à apresentação de palestras, ele terá um caminho de projeto; mas se esse mesmo auditório tiver a característica de uma sala de recital, onde serão apresentados solos musicais ou de teatro, obviamente o desenvolvimento do projeto será outro. Por exemplo: enquanto no primeiro caso um ambiente com 2,5m3/assento é adequado para dar partida ao projeto, no segundo caso estamos pensando em algo como 6,0 m3/assento.

 

Fico pensando que alguns pecados acústicos podem ser evitados logo de início nos projetos. Quando vejo uma sala circular, torço para que ela se destine exclusivamente a palestras, mas não para teatro ou música. Salas circulares apresentam problemas sérios de geração de foco sonoro e péssima distribuição do som.

 

Da mesma forma, salas em forma de leque, muito abertas, com as paredes situadas a mais de 30m uma da outra, não servem para teatros ou salas de música por falta de reflexão acústica lateral. Se esse formato for utilizado num auditório, o ângulo de abertura da parede lateral não deve ter mais de 30º e a parede do fundo precisa ser plana, e não côncava.

 

Nossos ouvidos não conseguem localizar sons no plano vertical, e as reflexões acústicas do forro são percebidas como sons vindos do palco – uma ilusão muito útil. Um forro refletivo é, portanto, um componente essencial para auditórios. Muitos autores preferem desenhar o forro de forma a propagar o som para as partes posteriores (fundo) da platéia. A quantidade de material absorvente deve ser dosada apenas na fase de definição dos acabamentos. É um equívoco acreditar que lambris ou painéis podem corrigir desvios acústicos incorporados no desenho arquitetônico. Uma parede posicionada de forma incorreta não pode ser corrigida com tratamento acústico. Quando muito, seus defeitos podem ser minimizados.

 

Um eco é outro inimigo mortal. Uma vez detectado, deve ser corrigido, porque as pessoas o percebem e se incomodam. Superfícies côncavas no fundo de auditórios e frentes de balcões são fontes potenciais de geração de ecos.

 

Auditórios devem ser silenciosos, e para tanto existem critérios acústicos a serem adotados. Um nível de 20 dB(A) pode ser aceitável num auditório, mas é excessivo para uma sala de música. O controle de ruídos (tráfego, salas adjacentes, ar condicionado, hidráulica e equipamentos) é uma importante preocupação no projeto de auditórios. As casas de máquinas devem ser todas colocadas em pontos remotos, distantes das áreas acusticamente classificadas.

 

Se os profissionais brasileiros de arquitetura e acústica conseguirem se aproximar logo no início dos projetos, respeitando os limites de suas respectivas atividades, os requisitos do programa de projeto e a autoria do projeto arquitetônico, inverteremos essa noção tola de que, para conhecer auditórios com boa acústica, será preciso levantar vôo rumo ao Hemisfério Norte.

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Texto original em http://www.revistadoseventos.com.br/bn_conteudo.asp?cod=3078.

1 Comment on "Acústica de auditórios"

  1. é muito importante a escolha também das poltronas para a acústica. Digo isso porque trabalho na Trinity Poltronas e levamos muito a sério.

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