Eletricidade e Sonorização – Parte 5 – Filtragem, Estabilização e Suprimento alternativo de energia

Já vimos que a energia elétrica que utilizamos pode estar contaminada com “sujeiras” diversas, sendo estas sempre prejudiciais ao funcionamento dos equipamentos eletrônicos, entre eles os equipamentos de áudio. Mas existem equipamentos que podem minimizar ou mesmo eliminar esses problemas, e será o nosso objeto de estudo neste artigo.

O primeiro passo, agora, é entender os tipos de sujeira que afetam a rede elétrica. Em uma rede elétrica perfeita, a energia chega até o aparelho na forma de uma onda do tipo senóide:

 

Só que, infelizmente, não vivemos em um mundo perfeito:

Os problemas que podem ocorrer são:

1) Alterações de freqüência. A freqüência padrão de funcionamento da rede elétrica no Brasil é de 60Hz (e os equipamentos são preparados para trabalhar assim). Esta freqüência pode sofrer alterações, apesar de ser bem raro. Em geral, acontece em locais alimentados por geradores a diesel ou gasolina, sendo provocada por aumentos do consumo elétrico e o tempo de resposta do gerador insuficiente para atender essa variação. Uma grande alteração na freqüência pode causar desde mal-funcionamento até sobreaquecimento, com possível queima do  aparelho

2) Ruído de Linhas (Noise). Causada por interferências eletromagnéticas introduzidas na rede elétrica pelo funcionamento de motores (ar-condicionados, geladeiras, ventiladores, etc). Podem causar mal-funcionamento nos aparelhos. O tipo mais facilmente observado são os “chuviscos” na imagem da televisão causados pelos liquidificadores, em uma residência.

3) Brownout.  É causado por uma drástica redução da tensão da rede elétrica,  impedindo o funcionamento dos aparelhos. Em geral, é causado por problemas na rede elétrica da concessionária, ou rede elétrica sobrecarregada (por exemplo, quando ocorre interrupção em uma das fases de uma rede elétrica 220V bifásica – 127V + 127V).

4) Apagão (black-out). Interrupção total do fornecimento de energia. Pode ser causado por vários fatores, como sobrecarga elétrica (com conseqüente acionamento de dispositivos de proteção – disjuntores), problemas na concessionária, queda de postes, etc. O resultado é a incapacidade do aparelho funcionar.

5) Sobretensão de rede. Situação onde a tensão da rede elétrica excede o seu valor normal em até 100%, com duração que pode chegar a alguns segundos. Causado por grande variação de carga sobre um sistema elétrico subdimensionado. Pode provocar desde mal-funcionamento a até queima de equipamentos.

6) Surtos de tensão. Também conhecidos como transientes ou spikes, é caracterizado por um drástico aumento da tensão instantânea da rede (em alguns casos, até 1000% a mais). Normalmente causado por raios (que não precisam sequer atingir diretamente a rede elétrica, basta caírem próximos a ela) ou transformadores que explodem. A conseqüência normal é a queima dos equipamentos.

7) Distorção Harmônica. Alteração na forma de onda da rede elétrica. Pode ter inúmeras causas, entre elas transformadores ou geradores defeituosos, presença de motores na rede, etc. Podem causar mal funcionamento em alguns tipos de aparelhos.

8) Subtensão de rede. Situação onde a tensão da rede elétrica cai abaixo do seu valor normal, com duração que pode chegar a alguns segundos. Pode ocorrer pelo acionamento de um equipamento elétrico de consumo muito alto. Em geral causam poucos danos aos aparelhos, mas causam mal-funcionamento (perda de rendimento) dos mesmos. O tipo mais facilmente observado são as lâmpadas incandescentes, que diminuem de brilho quando a geladeira da casa é ligada.

9) Afundamento de tensão. Caracteriza-se pela diminuição momentânea do valor eficaz da tensão elétrica. Causado por curtos-circuitos na rede ou acionamento/desligamento de equipamentos que demandam grande consumo. Causam mal-funcionamento de equipamentos.

Mesmo que um equipamento não aparente ter sofrido danos imediatos com a ocorrência de algum destes problemas, seus efeitos cumulativos podem reduzir a vida útil do equipamento.

Fazendo agora uma analogia, em que cada problema desses é uma doença, cada doença vai exigir um tipo de remédio diferente. Para combater estas doenças, existem 3 tipos de remédios: os filtros de linha, os estabilizadores e os no-breaks/geradores. Vamos estudá-los.

FILTROS DE LINHA

Os filtros nada mais são que componentes eletrônicos (como indutores, capacitores e varistores) que são instalados no caminho percorrido pela energia elétrica.

Os capacitores (os componentes em azul na figura acima) e os indutores (as duas “rodas”) têm propriedades de filtragem de freqüência (passa-baixas e passa-altas), eliminando assim possíveis problemas de ruídos que possam existir. Já os varistores (as peças em amarelo, que estão na vertical) protegem contra surtos de tensão. Os fusíveis protegem o próprio filtro contra excesso de corrente (consumo máximo maior que o filtro pode suportar) e contra curto-circuitos. A figura acima, inclusive, é de um projeto de filtro de linha simples mas eficaz.

No comércio podemos encontrar vários aparelhos chamados de “filtros de linha”, como o da figura abaixo:

Esse aparelho, além de (teoricamente) filtrar ruídos da rede e providenciar proteção contra surtos, ainda tem a função de extensão de energia e de providenciar múltiplos conectores (este acima transforma uma tomada em 5). Entretanto, existem inúmeros “filtros” que são apenas extensões, sem função alguma de filtragem, ainda que vendidos como tais. Veja:

O modelo acima não tem absolutamente nenhum componente de filtragem/proteção, apenas o fusível (que é proteção para o próprio “filtro”). É mera extensão. Já o modelo abaixo

traz, além do fusível, um único capacitor (à direita, no círculo vermelho). O nível de proteção contra ruído é mínimo, insuficiente. O outro  componente à esquerda é apenas uma resistência para ligação do led indicativo de aparelho ligado.

Infelizmente, essa é a realidade do nosso mercado. Os chamados “filtros de linha” de baixo custo  quase sempre têm níveis de proteção ou inexistentes ou insuficientes. Mas existem filtros “de verdade”, como este abaixo:

que tem uma série de componentes para proteção e filtragem, promovendo um nível eficaz de filtragem e proteção. Só que o custo é bem mais alto. Este custa na faixa de R$ 150,00. Bem diferente dos preços dos outros “filtros”, quase sempre abaixo de R$ 30,00.

Para quem trabalha com áudio, existem alguns filtros de linha profissionais (que realmente filtram e protegem os aparelhos), construídos de forma a caber em um rack padrão, de 19”. No Brasil, temos os produtos da Pentacústica (www.pentacustica.com.br) e da Zerotron, ambos de fabricação nacional, e os seguintes produtos importados: Fuman (de longe o mais famoso, com inúmeros modelos), RackRider (produzidos também pela Furman) e Samson Powerbrite, além de outras marcas.

Uma grande vantagem desses aparelhos é que possuem filtros específicos para a atenuação de ruídos nas faixas audíveis, atuando melhor que modelos projetados para outros usos (Informática,  por exemplo).

Os preços variam de R$ 300,00 (modelos mais simples) a até próximo de R$ 1.000,00 (Pentacústica PC-8000 microprocessado), mas quando pensamos que um possível problema vindo pela rede elétrica pode danificar milhares de reais em equipamentos  é um investimento que vale mais que a pena.

Mas cuidado: da mesma forma que existem “filtros” que não filtram nada, existem “filtros” em formato de rack que não passam de simples extensões. Alguns tem até monitores de voltagem na frente, mas nenhum componente de filtragem/proteção. São chamados de “tomadeiros”.

ESTABILIZADORES DE TENSÃO

Os filtros combatem os problemas de ruídos, distorções e surtos elétricos. Entretanto, quando o problema é de tensão elétrica variando (sobretensão ou subtensão), entram em cena os estabilizadores de tensão. São aparelhos que conseguem, através de um transformador (por isso são grandes e pesados quando comparados com os filtros), fazer pequenas correções de voltagem na tensão.

Mas existem aparelhos e aparelhos. Alguns estabilizadores conseguem atuar somente sobre variações de 5%, enquanto outros conseguem 10% ou mesmo 15%. Os fabricantes chamam isso de “estágios de regulação”. Quanto mais estágios de regulação um estabilizador tiver, maior a sua capacidade de estabilização.

Por exemplo, se tivermos um estabilizador de tensão nominal de 120V (saída regulada em 120V) e +/-5% de variação, isso quer dizer que variações de +6V ou -6V (126V a 114V) serão corrigidas para 120V. Se a tensão cair para 110V, por exemplo, ele conseguirá ajustá-la em +6V, ou seja, para 116V. Já outros modelos conseguirão ir além, fazendo ajustes de até +/- 12V (10%) ou até +/-18V (15%), por exemplo.

Evidente que, quanto maior a variação suportada, melhor e mais caro será o estabilizador, mas também maior e mais pesado ele será (pois exigirá um transformador maior). A figura abaixo mostra um transformador.

Um alerta: o uso de um estabilizador não exclui o de um bom filtro de linha. Como já falamos acima, para cada tipo de doença, um tipo de remédio. Estabilizadores apenas atuam sobre problemas de variação de tensão de rede elétrica, não atuando nada sobre sujeiras e sobre surtos de tensão.

Aliás, até 2007, os fabricantes de estabilizadores não tinham obrigação de incluir um filtro de linha (apesar de alguns o fazerem). Entretanto, a partir de 1º de janeiro de 2008, os estabilizadores são obrigados a incluir filtros de linha por imposição da ABNT (NBR14373). Aliás, a melhor maneira de comprar um estabilizador é verificando se o produto atende à essa norma e tem selo do INMETRO.

Entretanto, é até raro ver estabilizadores sendo usado em sonorização por alguns motivos. Os transformadores são grandes e pesados, ao contrário dos filtros de linha (um filtro para rack tem apenas 4,4 cm de altura e peso próximo a 5kg). Por outro lado, a maioria das fontes de equipamentos já é projetada para suportar variações de tensões, tornando assim o uso de estabilizadores menos essencial que o uso de filtros. Lembrando que isso depende do projeto do fabricante. Além disso, o uso de no-breaks e geradores em geral dispensa o uso de estabilizadores.

NO-BREAKS E GERADORES

E quando falta energia (apagão ou brownout) no meio de uma atividade essencial? Para este tipo de problema, temos os no-breaks e os geradores.

Os no-breaks, por serem dotados de baterias (alguns usam baterias específicas, outros usam baterias semelhantes às de automóveis), conseguem prover energia por um tempo limitado (a duração da carga da bateria ou do conjunto de baterias), muitas vezes o suficiente para dar instruções de saída e garantir a segurança das pessoas em um evento, por exemplo.

Existem alguns tipos de no-breaks, em relação às tecnologias adotadas. Quanto à tecnologia, temos os seguintes tipos:

– “line interactive”, também chamados de “standy-by”. Nesses, os equipamentos são sempre alimentados pela rede elétrica comum. O no-break fica monitorando a rede todo o tempo. Ao menor sinal de interrupção da energia, eles entram em ação, passando a alimentar os equipamentos com a energia de suas baterias.

Esse tipo de no-break é de custo mais baixo, mas traz alguns problemas. Eles não isolam os equipamentos da rede elétrica, e picos, transientes e outros problemas podem passar por eles, chegando aos aparelhos. Ou seja, eles até sustentam os equipamentos no caso de falta de energia, mas não fazem estabilização nem filtragem (ou o fazem de modo muito simples). Alguns até chegam a incorporar filtros de linha (a partir de 1° de janeiro de 2008, todos vão incorporar) e estabilizadores, mas isso depende de fabricante para fabricante.

– “on-line”. Tipo de no-break em que a rede elétrica alimenta as baterias, e são as baterias que alimentam os equipamentos conectados ao no-break. Em outras palavras, os equipamentos ficam completamente isolados da rede elétrica, sempre alimentados pela energia da bateria.

Esse tipo de no-break na verdade faz três funções: filtra (a medida que isola os equipamentos da rede elétrica), estabiliza (na medida que a energia que os equipamentos recebem é sempre regulada e constante) e supre energia quando houver algum problema de fornecimento. São excelentes, mas muito caros.

Quanto à forma da onda de saída, temos:

– saídas PWM, um tipo de onda quadrada que tenta “imitar” o comportamento de uma onda senoidal (por isso chamada também de “semi-senoidal”). Adequados para equipamentos com fontes chaveadas (em geral, informática). Um no-break com saídas PWM costumam inserir bastante ruído audível em equipamentos de áudio. São mais baratos.

– saída senoidal, onde a onda é idêntica à da concessionária. São mais caros, mas garantem uma energia de melhor qualidade, sem introdução de ruídos.

A maioria dos no-breaks line-interactive também são PWM, assim como a maioria dos no-breaks on-line são senoidais. Mas nada impede que haja um no-break line-interactive de onda senoidal, assim como um no-break on-line PWM.

Pelas características explicadas acima, está claro que os melhores no-breaks para uso com áudio são os senoidais on-line. Mas ainda assim, é necessário consultar os fabricantes, perguntar se já foram testados com equipamentos de áudio e se não apresentaram problemas de ruídos na faixa audível. E preparar o bolso, pois são caros, muito caros.

Além de serem caros, no-break tem capacidade limitada. Em geral, o tempo de duração da sua bateria é de alguns minutos a poucas horas. Para determinados eventos (cultos, por exemplo), é o tempo suficiente para encerrar as atividades e encaminhar as pessoas em segurança para a saída.

Entretanto, há eventos que não podem ser interrompidos sob pena de grande risco de segurança ou mesmo financeiro (um grande show, por exemplo). Por causa disso, em sonorização de grandes eventos é mais comum contar com grupos geradores, que nada mais são que motores de veículos (caminhões, em geral) convertidos para produzirem energia elétrica. Eles tem grande autonomia, e além disso podem ser reabastecidos com gasolina ou diesel sem interrupção do funcionamento. E geradores profissionais (porque, assim como os outros equipamentos, existem os que não tem bom desempenho), em geral entregam energia estável e bem limpa, sendo necessário apenas trabalhar com filtros de linha, para evitar os surtos que podem se formar quando amplificadores de grande potência são ligados/desligados.

Sobre geradores, é importante saber que alguns levam alguns minutos para entrar em funcionamento e  começar a produzir energia de maneira estável. Alguns locais adotam um misto de solução de no-break + gerador. O no-break fornece energia de modo instantâneo, por alguns minutos, tempo suficiente para o gerador entrar em operação.

Outro alerta: todos os equipamentos citados aqui (filtros, estabilizadores, no-breaks e geradores) têm tensão de trabalho (alguns são 110V, outros são 220V e outros são bivolts) e suportam uma amperagem máxima. Observe isso antes de comprá-los. Não adianta nada comprar um filtro de 110V e 1.000 Watts se os equipamentos tem consumo de 2.000 Watts e trabalham em 220V.

No caso de geradores e no-breaks, é obrigatório consultar o fabricante, pois são equipamentos que tem um “fator de potência” bem diferente entre um modelo e outro, e até mesmo potências que variam dependendo do tipo de aparelhos que serão utilizados. Na dúvida, não deixe de consultar um engenheiro elétrico.

Apresentamos abaixo uma tabela resumo, para melhor entendimento.

Por último, um dos melhores meios de se evitar problemas na rede elétrica não é somente com o uso de filtros, estabilizadores e no-breaks/geradores. É com o uso de um aterramento bom e eficiente.  Mas fica para o próximo artigo, quando se dará o encerramento desta série.

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