Marcelão,
o ideal, que infelizmente não existe, é que existisse um único alto-falante (ou caixa acústica), potência de 100.000 Watts, resposta de 20Hz a 20KHz totalmente plana e dispersão sonora selecionável de 1º a até 360º.
Se isto existisse, poderíamos ter uma única fonte sonora, e os cancelamentos não existiriam. Mas como isto não existe, precisamos espalhar várias caixas de som no ambiente, seja para atender ao requisito de potência ou de dispersão sonora. Mas, quando fazemos isto, corremos o risco de aparecer os cancelamentos.
A melhor instalação de caixas que podemos fazer é no esquema de cluster, onde as caixas são instaladas juntas, e ocorre o chamado "acoplamento sonoro": os falantes trabalham como se fossem um só. Veja as fotos abaixo de um cluster de caixas:
Line-arrays seguem o mesmo princípio, só que mais elaborado.
Reparem: desta forma, a potência das três caixas é somada (se cada uma tem 100W, então o cluster tem 300W), e a dispersão sonora também é somada (no caso, este cluster deve ter dispersão total de quase 180°). Mas a outra grande vantagem é que, por causa do acoplamento sonoro, não há cancelamentos.
Mas, por diversas questões (praticidade, estética e principalmente puro desconhecimento), a maioria das vezes encontramos caixas uma de um lado, outra do outro lado da nave da igreja. Neste caso, com certeza teremos cancelamentos.
Em Física, Mecânica, 1º ano do ensino médio, o professor nos ensina a calcular (usando Trigonometria) as resultantes de várias forças. Como abaixo,
podemos ver que, dependendo da posição das forças, a Força Resultante pode ser construtiva (quando é maior que qualquer uma das forças que a compõem) ou destrutiva (quando é menor que qualquer uma das forças que a compõem).
Agora, faça o seguinte: no lugar desse monte de seta que representa as forças, coloque uma onda sonora... é exatamente o mesmo princípio! Veja:
Indo logo ao exemplo extremo, na figura acima temos duas ondas (azul e vermelha), uma em contrafase com a outra. O resultado é que as ondas se anulam. Repare:
- se colocarmos duas caixas de som em sentido opostos (uma exatamente de frente para a outra), teremos este resultado: quando os sons se encontrarem, vão se anular.
- se colocarmos duas caixas, uma ao lado, mas uma com cabos invertidos em relação a outra (em contrafase), os sons também se anularão.
Mas quem já teve a oportunidade de fazer isto já deve ter notado que os sons não se anulam completamente, há ainda algum som. Isto acontece por causa das características das ondas sonoras de diversas frequências: os sons graves são ominidirecionais (se espalham no ambiente) e por causa disto sofrem muito com os cancelamentos, já os sons médios e agudos, por serem muito mais direcionais, são pouco afetados (mas
são afetados!).
Tal teoria trás inúmeras consequências práticas.
1) Se você tem cabos de duas caixas instaladas próximas (na mesma linha) e não sabe quem é positivo e quem é negativo, use um som bem grave para testar. Teste algumas variações nos cabos, e verifique a posição onde os graves aparecem mais. Esta é a posição correta, as caixas estarão em fase.
2) Nunca instale caixas uma de frente para a outra. Vi isto em duas igrejas. Em uma, havia caixas da frente para o fundo e outras do fundo para a frente, e em outra as caixas ficavam nas laterais, perpendiculares, umas à esquerda e outras à direita.
Mas alguém vai falar o seguinte: na minha igreja é assim e funciona. O que acontece é que, dada a distância de uma caixa em outra, os cancelamentos são pouco sentidos. Alguém que esteja todo sentado todo à direita (ou todo à frente), por exemplo, houve 90% do som da caixa da direita (ou da frente) e apenas 10% da caixa da esquerda (ou de trás - nota: valores hipotéticos, apenas para exemplificar). Nesta condição, os cancelamentos são muito poucos sentidos e o som parece perfeito.
Mas a medida que a pessoa se senta mais para o meio (tanto em relação da direita para esquerda ou da frente para o fundo), a relação de volume muda, 80%/20%, 70%/30%, 60%/40%, e cada vez mais o som vai piorando. Até que no meio exato, 50%/50% do som de cada caixa, o cancelamento é máximo. Ainda se houve som por causa das reflexões da acústica do ambiente, mas qualidade que é bom já foi toda embora.
Mas Deus é misericordioso! No meio dos templos existem principalmente corredores, onde ninguém senta! Se não fosse assim, teríamos um grupo de pessoas elogiando o som (quem sentou próximo de uma das caixas) e outro grupo reclamando do som (quem sentou equidistânte - mesma distância - das caixas). Conhecem alguma igreja assim?
3) Igreja com músicos com retorno em palco e caixas do PA um pouco à frente do palco (uma de cada lado) podem sofrer com problemas nos graves. Como os graves são ominidirecionais, uma parte dos graves das caixas do PA viram para trás e se anulam com os graves que saem dos retornos dos músicos. Se um dia virem reclamações de falta de "peso" (graves) por parte de bateristas, baixistas, tecladistas e até de cantores masculinos, isto é causado por cancelamentos. Uma solução simples e eficaz é inverter a fase dos retornos (positivo vira negativo e vice-versa).
Mas e quando temos caixas de um lado e outro, mas anguladas para trás? Neste caso, os cancelamentos também existirão, assim como reforços em algumas frequências, tudo dependerá do ângulo em que as ondas sonoras se encontrarão. Para quem gosta de trigonometria:
Na área vermelha, os encontros das ondas sonoras geram destruição das ondas. Na área branca, temos até mesmo reforço sonoro. Mas concordo, tem que ser engenheiro para fazer todos os cálculos.
Na prática, cancelamentos sempre vão exisitir, a não ser que trabalhemos com cluster. O que precisamos fazer é o teste auditivo. Testar várias posições e angulações de caixas e literalmente sentar em todos os lugares disponíveis na largura da igreja. O melhor posicionamento para as caixas é aquele onde as diferenças de som sejam imperceptíveis na largura.
O Anfiteatro onde cuido do som é muito largo, são 100 metros. Há caixas de 20 em 20 metros. No exato intervalo de distância entre as caixas, o som é realmente sem "definição", embolado. Foi um pouco complicado explicar e demonstrar, mas são estes os locais dos atuais corredores.
Bem, ao final deste "artigo" escrito de forma rápida (sem revisão e pesquisa alguma, então perdoem alguma imprecisão), alguém pode ficar com a seguinte dúvida: o Fernando falou o tempo todo de caixas situadas à esquerda e direita, mas sempre na mesma altura (no mesmo comprimento) da nave. Mas e quando temos caixas todas viradas para trás, mas em comprimentos da nave diferentes? Uma igreja muito comprida terá problemas de cancelamentos se tiver dois caixas na frente e no meio, mesmo se forem clusters?
A resposta é sim! As ondas também se cancelarão ou reforçarão quando se encontrarem, apesar do problema ser muito menor (o ângulo de encontro estará principalmente dentro da área de reforço, mas mesmo assim haverá problemas). Veja figura abaixo:
As linhas vermelhas e azuis indicam ondas que chegam em tempos diferentes aos ouvidos da pessoa. Como se a linha vermelha fosse o som da caixa da frente e a linha azul da caixa do meio (em relação a um ouvinte do meio para trás). Haverá reforços e cancelamentos. O ideal, neste caso, é trabalharmos com sistemas de delay, o que fará com que ambos os sons chegem ao mesmo tempo, mas isto é outro artigo.
E outra pergunta que pode surgir: e aquele som que bate na parede do fundo da igreja e retorna, também provoca cancelamentos. Sim, muitos. Funciona como se fosse uma caixa de som virada de frente para a outra. Por isto que a área do fundo das igrejas costuma ser o local com os piores índices de inteligibilidade da igreja (onde pouco se entende). A solução é investir em tratamento acústico. Outro artigo.
Um abraço,
Fernando