Coloração da reverberação

carlosecg

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Pessoal, no livro "Manual Prático de Acústica" do Sólon do Valle, ele fala sobre a "coloração da reverberação" (págs. 101 e 222). Basicamente, o RT60 em 63Hz deve ser 50% maior do que em 1KHz, e 50% menor em 16KHz.

A minha dúvida é: de onde saíram esses valores? Não consegui encontrar mais nada sobre isso. Alguém pode me indicar alguma outra literatura que fale sobre isso (coloração), já que esse livro não tem bibliografia?
 
Olá Kadú,

vamos ao texto completo, para melhor entendimento (nota: 1a. edição; o livro já está na 3a.)

pág 101-102
"Coloração

O tempo de reverberação depende dos materiais de revestimento e de ocupação da sala. Como a absorção acústica de cada material varia conforme a frequência, o RT60 da sala também varia com a frequência, criando uma "coloração" para o ambiente.

Quando falamos no "Tempo de Reverberação de uma sala", estamos normalmente nos referindo ao seu RT60 nas frequências médias, sendo o padrão especificar o RT60 em 500Hz.

De modo geral, o RT60 deve subir algo em torno de 50% nos graves, e baixar cerca de 50% nos agudos para uma coloração bem equilibrada ou "normal".

O excesso de reverberação nos graves torna uma sala "retumbante" ou "cavernosa". A falta de reverberação nas baixas frequências torna a sala "magra" desvalorizando os sons dos instrumentos graves. O excesso nos agudos torna a sala "brilhante" ou "espelhada" demais, e a falta de reverberação nos agudos cria uma sala "abafada" ou "escura". O excesso de reverberação em alguma faixa de médios cria uma sala "ressonante" ou "falsa", e a falta de alguma região de médios faz com que a sala "enterre" as vozes ou instrumentos que dependam daquelas frequências.

Note que esses nomes, nada técnicos, expressão muito bem as características sonoras de cada sala. O especialista deve estar pronto para saber interpretar termos desse tipo, ao prestar uma consultoria, por exemplo".

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página 222-223
Coloração da reverberação

O tempo de reverberação não deve ser o mesmo para todas as frequências. Par4a qualquer gênero musical (ou não musical, também), é natural que o tempo de reverberação cresca algo em torno de 50% nos graves (por volta de 63Hz) e que caia em torno de 50% nos agudos (por volta de 16KHz). Variações em torno desses valores são possíveis, mas eles devem ser tomados por base para uma boa sonoridade.

Uma sala cujo RT60 suba muito mais que 50% nos graves será "retumbante" ou "cavernosa". Se o tempo não subir nos graves, a sala soará "magra". Por outro lado, se não houver queda suficiente do RT60 nos agudos, a sala ficará "brilhante" demais ou "áspera", e se a queda nas altas frequências for excessiva, teremos uma sala "abafada" ou "escura".

Para que seja atingido o equilíbrio perfeito, é preciso que os índices médios de absorção na sala sejam escolhidos de modo que os tempos de reverberação para as várias frequências tenham os valores ideais, de modo a atingir o RT60 ideal nos médios e a coloração correta. Estes tempos podem variar, de acordo com o gosto do cliente e com o material a ser gravado ou executado, mas os parâmetros não deverão se afastar excessivamente dos padrões considerados corretos."
 
Primeiro de tudo, acho importante definir "Coloração". Coloração é toda mudança no som que algum componente do sistema de sonorização traz. Imaginemos primeiro um sistema "perfeito".

MIC qualquer > mesa excelente > amplificador excelente > caixa de som excelente > ambiente aberto

Ora, em uma situação assim (aliás, quem dera fazer som assim), pegue um usuário que você conheça e comece a testar microfones. Teste mics de 1.000,00, mics de 50,00. Deixe tudo em flat. Teremos sonoridades diferentes? Evidente que sim. Em um, o som será "cavernoso", em outro o som será "brilhante demais", em outro será "aveludado", e assim por diante. O resultado dessas mudanças é a coloração do som.

Vamos fazer o contrário. Mantenha um mic só, sei lá, um SM58 Shure (que todo mundo conhece), e troque agora as caixas acústicas. Teste caixas excepcionais até feitas à facão. Teremos sonoridades diferentes? A mudança será tão séria que dará vontade de fazer uma fogueira por ali. Isso é coloração causada por variação das caixa.

Agora, mantenha o mic e a caixa excelentes, e troque mesa e/ou amplificadores. A mudança será mais sutil. Geralmente, os equipamentos são os que menos interferem na qualidade de som. Mas ainda assim, será perceptível alguma coloração. Bem, se você usar uma Ciclotron de baixo custo, será bem perceptível essa coloração....

Finalmente, voltemos ao sistema:

MIC excelente r > mesa excelente > amplificador excelente > caixa de som excelente > ambiente diferente

Aqui, todo mundo com prática sabe: ambientes diferentes, sonoridades diferentes. Você leva um equipamento e faz um som maravilhoso em um ambiente aberto (praia, campo, praça). Agora, leva tudo igual (mesmo equipamento, mesmos músicos) para um ambiente fechado e... vai ter que regular tudo de novo. Sonoridades bem diferentes. É a chamada "Acústica do Ambiente", mas que na verdade nada mais é que a "coloração" imposta pela acústica do ambiente ao som.

Alguém vai perguntar... mas isto é a definição de "timbre", não? É isso mesmo! Alguns até costumam chamar timbre de coloração mesmo. Mas se fosse para fazer um divisão, eu diria que a palavra "timbre" é a característica (por exemplo, o timbre de um violão, de um piano, de um saxofone), enquanto coloração seria o efeito sobre o som. Seria então correto dizer assim:

- que ótimo timbre tem esse microfone

- que coloração ruim esse mic causa no som

Enquanto seria errado dizer.

- que boa a coloração desse mic

- esse mic deixou um timbre ruim no cantor.

Ok, entendidos?
 
Entendido isto... vamos finalmente ao que interessa.

Acho que a grande dúvida se refere a isto: por que promover atenuações diferentes para cada faixa de frequência? Por que não deixar a sala "flat" na sua acústica? Acho que a resposta pode estar nas curvas de audibilidade:

curva_audibilidade.gif


Referentes ao comportamento do ouvido humano em relação aos sons (faixas de frequência) x volumes (dB SPL).

Pelo gráfico, podemos notar que...

- os médios são a região mais sensível do espectro sonoro. Ou seja: ouvimos mais médios que graves e/ou agudos.

- os agudos são menos sentidos que os médios

- os graves são muito menos sentidos que os médios e ainda bem menos sentidos que os agudos.

Assim, a explicação sobre os graves se torna fácil. Devemos deixar um incremento no RT60 dos graves para compensar um pouco a curva de audibilidade, pois o ouvido humano é pobre em perceber os graves.

Seguindo essa linha de raciocínio, então precisamos aumentar também os agudos, não? Nesse caso, não. Na verdade, fazer uma diminuição lenta e gradual nos agudos nos termos propostos é respeitar uma queda lenta e gradual que já existe nos nossos ouvidos, ou seja, natural. Alterar isto é deixar o som artificial. Aliás, essa queda nos agudos é aplicada independentemente se o som é em ambiente fechado ou ambiente aberto. Sim, em ambientes abertos também se faz a mesma coisa.

Aqui, o mérito é Psicoacústica: sentimos uma natural falta de graves, que precisa ser compensada. Já os agudos, a sua falta é pouco sentida, na verdade uma resposta de frequência "flat" entre médios e agudos seria considerada ruim, por artificial.

É o meu entendimento, mas confesso que não muito seguro. Dei uma olhada no livro A Bíblia do Som, onde o Luis Fernando Cysne faz uma bela comparação entre fazer som em ambiente aberto e ambiente fechado, mas não entrou neste mérito.

Na dúvida (aquela saída fácil de quem não entendeu direito o negócio e ainda tem muito a aprender), confie nos seus ouvidos!!!

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Detalhezinhos práticos que acho importante citar (para fazer o pessoal pensar).

- absorver agudos é fácil. Conseguir absorção de graves é difícil.
- atenuar um pouco menos os graves em relação aos médios é economizar uma boa quantia de dinheiro, já que será menos tratamento a se aplicar.
- atenuar os agudos é até consequência dos tratamentos destinados aos graves/médios, pois os materiais que absorvem estas frequências também absorvem agudos. Ou seja, "já vem de brinde" no tratamento acústico.

Um abraço,

Fernando
 
Fernando, obrigado pela resposta.

bersan disse:
Acho que a grande dúvida se refere a isto: por que promover atenuações diferentes para cada faixa de frequência? Por que não deixar a sala "flat" na sua acústica? Acho que a resposta pode estar nas curvas de audibilidade
Pensei exatamente nisso.

bersan disse:
Na dúvida (aquela saída fácil de quem não entendeu direito o negócio e ainda tem muito a aprender), confie nos seus ouvidos!!!
O problema todo é que tenho que justificar em minha monografia o motivo da coloração no tempo de reverberação, e confiar em meus ouvidos não seria um bom argumento. :D Preciso falar "fiz isso por causa disso". Nesse ponto infelizmente o livro só traz o "faça isso".

Agora mesmo estou lendo vários textos sobre o assunto. Logo complemento o tópico.
 
Kadú.

O raciocínio do Fernando é perfeito. Deixe-me apenas complementar com algumas sugestões.

Relacione a curva de audibilidade com a curva de RT60. A curva de audibilidade mostra basicamente a quantidade de energia necessária para que o ouvido perceba as frequências. O RT60 é o tempo necessário para a energia sonora do som produzido por uma fonte qualquer cair 60 dB ao cessar a emissão sonora da referida fonte. O que as duas coisas têm em comum? Ambas tratam de energia.

Resumindo: Para que o ouvido perceba os graves, eles precisam de mais energia, portanto, com mais energia, o tempo que levam para cair 60 dB é maior que nas outra faixas. As proporções recomendadas pelo Sólon servem para manter a coerência da audição. Compare com as curvas de audibilidade e vc verá que as proporções são bem parecidas.

O seu trabalho seria o primeiro, que eu tenha notícia, a abordar a questão por esta perspectiva.

[]'s
 
Olá,

Bem a explicaçao do Fernando é exata.

Vou pressupor que você irá precisar justificar isto em nível superior, dai vai ter que elabarora mais um pouco. Aqui na UFMG este nível de elaboração depende muito do departamento onde o trabalho esta sendo feito.

Se a monografia for para ser exposta em deparatemento de ciências exatas ou engenharia, dentro da realidade que conheço você teria que estudar o Leo Beranek. http://www.leoberanek.com/pages/books.html.

Só que este é um cara que pressupõe do aluno um bom domínio de cálculo integral e diferencial para então destrinchar os conceitos. Tudo que ele fala nasce dos conceitos da matemática e da Física associada. Como disse, é osso duro de roer, mas para quem gosta do tema como é o seu caso, você irá tirar de letra.

Ah..e estou pressupondo graduação, no mestrado a coisa piora um pouco mais!

Abraços,
 
Ainda estou pesquisando sobre o assunto. Encontrei um artigo sugerindo que para a percepção de graves o tempo de reverberação não é tão importante, mas o parâmetro G80 tem maior influência nessa percepção: <!-- m --><a class="postlink" href="http://www.acoustics.org/press/133rd/4aaa6.html">http://www.acoustics.org/press/133rd/4aaa6.html</a><!-- m -->

Spurgeon disse:
Se a monografia for para ser exposta em deparatemento de ciências exatas ou engenharia, dentro da realidade que conheço você teria que estudar o Leo Beranek.
Obrigado pelas sugestões. O trabalho é para graduação em física.
 
carlosecg disse:
Ainda estou pesquisando sobre o assunto. Encontrei um artigo sugerindo que para a percepção de graves o tempo de reverberação não é tão importante, mas o parâmetro G80 tem maior influência nessa percepção...

Concordo. A questão não é o tempo de reverberação, mas a energia necessária à geração de graves perceptíveis.

P.S: Ainda não li o texto que vc indicou no link acima.

[]'s
 
Que maravilha que é estudar... quanto mais se estuda, mais se percebe que nada sabe...

O que é G80? Eu passei o olho no artigo mas não explica o conceito...

Fernando
 
bersan disse:
O que é G80? Eu passei o olho no artigo mas não explica o conceito...
G80: "early-arriving relative sound level". Definido pelo próprio Bradley em <!-- m --><a class="postlink" href="http://www.nrc-cnrc.gc.ca/obj/irc/doc/pubs/nrcc46097/nrcc46097.pdf">http://www.nrc-cnrc.gc.ca/obj/irc/doc/p ... c46097.pdf</a><!-- m -->. Não sei como falar em português porque ainda não estudei a definição.

Fiquei pensando uma coisa. Se o aumento do RT é para aumentar a energia em baixas frequências, um rolloff na equalização não teria o efeito contrário?
 
carlosecg disse:
Fiquei pensando uma coisa. Se o aumento do RT é para aumentar a energia em baixas frequências, um rolloff na equalização não teria o efeito contrário?

Não é bem assim... o RT60 é uma leitura... ele não aumenta ou diminui coisa alguma... ele apenas mostra o que está ocorrendo na sala em diversas bandas de frequência.

A curva ideal é aquela onde o tempo de reverberação dos graves é maior do que nas outras bandas como mostrado nas figuras abaixo.

LeonardoGo_TemploCheio683x432.jpg


LeonardoGo_Templo800ComTrat686x435.jpg


Esta, já não é uma boa curva... ela não soa de forma natural.

LeonardoGo_TemploVazio600x383.jpg


Obs: Kadú, eu sei que vc já sabe de tudo isso... é apenas para posicionar aqueles que estão acompanhando o tópico.

Quanto ao roll-off, ele é feito nas regiões dos graves, principalmente para poupar as caixas acústicas, que não costumam falar nestas regiões mais baixas.

[]'s
 
padeouro.jpg


Acho que juntando esse tópico com o da reforma na igreja (<!-- l --><a class="postlink-local" href="http://www.somaovivo.mus.br/forum/viewtopic.php?f=20&t=4660">viewtopic.php?f=20&t=4660</a><!-- l -->) dá até para escrever um livro :D A reforma está acontecendo (quase dois anos para sair) e agora o som será alterado, por isso resolvi dar uma passada nos tópicos antigos.

Esse assunto ainda não me convenceu, mas também nem procurei ler mais :oops:

Alguém tem interesse em continuar a discussão?

David Fernandes disse:
Não é bem assim... o RT60 é uma leitura... ele não aumenta ou diminui coisa alguma... ele apenas mostra o que está ocorrendo na sala em diversas bandas de frequência.

Quanto ao roll-off, ele é feito nas regiões dos graves, principalmente para poupar as caixas acústicas, que não costumam falar nestas regiões mais baixas.

Acho que não me expressei bem. O que quis dizer é que se deixamos o TR mais alto em frequências baixas com o intuito de termos mais energia nesse região do espectro sonoro para compensar a não linearidade dos nossos ouvidos, o roll-off na equalização seria então um "mau necessário"? Pois temos de um lado mais energia em frequências baixas devido ao TR mais alto. E por outro lado, para poupar as caixas, acabamos reduzindo os graves. Usando então uma caixa de subgraves o rolloff seria desnecessário?

E, justificando essa curva ideal do tempo de reverberação pelas curvas de audibilidade, então em frequências acima de 4kHz deveríamos ter um aumento no TR? Mas geralmente essa medida é realizada apenas até essa frequência, por que? ... Eu sei que tenho a resposta mas já passam das duas da madrugada, amanhã eu volto aos meus textos :D
 
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